Diferentemente do adulto que pode e deve exercer seus direitos – direito de votar, de expressar opiniões, de ir e vir, de se filiar a associações ou de escolher uma profissão – a criança tem o “direito de ser obrigada a estudar”. Evidentemente, a criança não sabe que tem esse direito, e cabe a seus responsáveis – ou ao Estado – garantir que ela seja obrigada a estudar. Pode-se dizer, numa analogia, que jovens que estão concluindo o ensino médio tem o direito de serem incentivados a continuar estudando.
De início, convém enfrentar uma questão terrível: por que os jovens – salvo exceções – não gostam de estudar? Sabemos que existem milhares de razões individuais e/ou familiares, como falta de tempo, ambiente familiar tumultuado, falta de dinheiro, problemas de saúde, entre tantos outros. Porém, existe uma explicação geral para essa ausência de gosto pelos estudos, qual seja, jovens – e adultos também! – não gostam de estudar porque não aprendemos a tirar prazer do ato de adquirir conhecimento. Desde cedo somos levados a acreditar que a felicidade mora lá fora, na praia, no sol, no carnaval, no futebol ou na balada noturna. Estudar, por sua vez, é encarado como um pesado fardo do qual precisamos nos livrar o mais rápido possível.
Na origem dessa percepção está um outro problema que merece ser abordado, que é a ausência de incentivo para a busca do conhecimento. O incentivo dado pelo professor em sala de aula é, evidentemente, imprescindível, mas é igualmente importante o incentivo que vem de conversas com familiares e amigos. Uma vez que entre nós, brasileiros, é pouco difundido o hábito de conversar sobre “assuntos da escola”, os temas analisados em sala de aula costumam permanecer restritos àquele ambiente. Embora alguns campos do conhecimento não sejam adequados para conversas entre amigos, – como geometria, química ou matemática – felizmente boa parte da matéria dos livros e das aulas é constituída de temas que fazem parte de nosso cotidiano, embora não estabeleçamos articulações entre os conteúdos da História, da Geografia ou da Literatura, por exemplo. É a nossa vida concreta. Tudo se passa como se apenas falar sobre futebol ou sobre novelas de televisão fosse “natural”, e não nos damos conta de que dominamos porções de conhecimento específico sobre cada um desses temas, sem o que não haveria área comum para o desenvolvimento da conversa. Da mesma forma como cada um de nós temos um quantum razoável de conhecimento sobre a historia do Brasil, mas dificilmente alguém toma a iniciativa de conversar, por exemplo, sobre a escravidão, ou sobre a economia cafeeira paulista.
Aproximadamente metade dos alunos que estão se preparando para ingressar na faculdade irá escolher cursos das áreas de exatas ou biológicas. No entanto, a área de humanidades tem uma propriedade que deve ser aproveitada por todos os alunos, sejam eles futuros historiadores ou futuros engenheiros: a ênfase na linguagem, tanto no que diz respeito à pratica de redação, quanto na tarefa de ler e interpretar o texto escrito. Esse foco das disciplinas da área de humanidades deve ser aproveitado por todos os alunos, não apenas porque a redação tem peso decisivo nos exames de acesso às faculdades de um modo geral, ou porque sem desenvoltura na leitura e na interpretação ninguém é capaz de compreender os enunciados de questões de matemática, física, ou de quaisquer outras disciplinas. Mas, sobretudo, porque a linguagem é instrumento de desenvolvimento da consciência e do raciocínio. Além disso, a linguagem é o plasma da vida em sociedade, e todas as profissões são exercidas nos marcos da sociedade, com suas conquistas e suas injustiças.
Aqui entra o papel da Literatura. É preciso dizer com todas as letras que ignorar a tradição literária de um povo tem conseqüências deletérias, pois não é possível formar um bom químico, por exemplo, sem uma dose de Machado de Assis. A literatura não apenas expressa quem somos nós, povo brasileiro, como situa os traços de personalidade de cada um de nós – e dos personagens – numa chave universal de humanidade. Um dos mais brilhantes intelectuais que o Brasil já produziu, Antonio Candido, no texto “Direito à Literatura”, enfatiza um mérito da Literatura que geralmente passa despercebido: a obra literária é um fator de ajuda na organização de nossos pensamentos e de nossos sentimentos.
Uma vez que o texto literário nos ajuda na compreensão da sociedade e aprofunda nosso entendimento das relações pessoais, a convivência com as obras literárias pode ser importante instrumento na conquista da “inteligência emocional”, uma das características pessoais mais valorizadas pelo mercado de trabalho, que nada mais é do que a capacidade de conviver com pessoas diferentes e de absorver decepções de modo civilizado e não auto-destrutivo. A obra literária pode ser uma aliada importante para o profissional de nossos dias, que não pode cogitar parar de estudar, porque a Literatura mantém a mente preparada para a inclusão de novos conhecimentos, pois “ela nos organiza, nos liberta dos caos e nos humaniza”, para usar as palavras de Antonio Candido.